28/11/2024 | AERO em Revista

Perda de Controle em Voo do ATR-72

Incidente grave com ATR-72 da TRIP Linhas Aéreas em 2013 destaca falhas operacionais e lições essenciais para a segurança aérea. Por David Branco.
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Em 26 de julho de 2013, um incidente grave ocorreu com um ATR-72 da TRIP Linhas Aéreas, durante um voo noturno entre Maceió (AL) e Salvador (BA). O avião, que transportava 58 passageiros e 4 tripulantes, começou a apresentar uma vibração incomum enquanto se aproximava de Salvador. Inicialmente, a tripulação acreditou que a vibração era causada pelas hélices e decidiu reduzir a potência dos motores, o que gerou um alerta de estol (Stick Shaker). A situação rapidamente escalou, com a aeronave perdendo o controle e atingindo uma taxa de descida de cerca de 6.000 pés por minuto. Após uma luta de dois minutos, a tripulação conseguiu recuperar o controle a uma altitude de 11.000 pés. Não houve vítimas nem danos materiais significativos, mas o incidente foi considerado grave, com risco de acidente elevado.

Análise Técnica e Operacional  

A investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) revelou que a tripulação não lidou adequadamente com a formação de gelo nas superfícies da aeronave, uma das causas principais da perda de desempenho. A aeronave estava equipada com sistemas de proteção contra o estol (Stick Shaker e Stick Pusher) e contra o gelo, mas a tripulação falhou em usar esses sistemas de maneira correta. O comandante, com mais de 5.300 horas de voo, e o copiloto, com 1.640 horas totais, não seguiram adequadamente os procedimentos de segurança, como o uso do sistema de degelo e o ajuste correto da potência dos motores.

Sistema de Proteção contra Gelo  

Durante o voo, o ATR-72 entrou em condições meteorológicas propensas à formação de gelo. Embora a tripulação estivesse ciente desse risco, houve falhas na execução dos procedimentos para combater o acúmulo de gelo. O comandante, ao perceber a perda de desempenho, sugeriu que o sistema anti-gelo estava afetando a potência dos motores, o que não era tecnicamente correto. Além disso, o check-list de condições de gelo não foi completamente seguido, e o sistema pneumático de degelo não foi ativado, o que agravou a situação.

Lições para a Aviação  

Este incidente traz lições fundamentais para a aviação, especialmente sobre a importância de seguir rigorosamente os procedimentos operacionais padrão (SOP), realizar uma comunicação clara entre os membros da tripulação e manter um treinamento constante para situações de emergência. A falha em lidar com a formação de gelo e a falha na execução dos procedimentos adequados demonstram a necessidade de melhorar a conscientização e a prática dos protocolos de segurança.

A análise também enfatiza que a investigação e o aprendizado contínuo são essenciais para aprimorar as práticas operacionais e minimizar o risco de perda de controle. O incidente, apesar de não ter causado danos, mostra que falhas técnicas e operacionais podem combinar-se de forma a criar situações de alto risco, que podem ser evitadas com melhores práticas e mais treinamento.

Análise do Incidente: Prevenção e Recuperação de Perda de Controle  

A análise do incidente mostra que falhas operacionais e de julgamento levaram à perda de controle. A tripulação, embora ciente da formação de gelo, não tomou as medidas adequadas, como a ativação do sistema de degelo e a correta aplicação dos procedimentos no check-list. O comandante também deixou a cabine por três minutos, o que prejudicou a supervisão da situação e permitiu que o copiloto tomasse decisões equivocadas. O uso incorreto dos sistemas de proteção, como o Stick Shaker e o Stick Pusher, contribuiu para a perda de controle da aeronave.

O erro mais significativo foi o uso incorreto do sistema de degelo e a redução indevida da potência dos motores. O procedimento correto era ajustar as manetes de hélice para 100% de rotação e ativar o sistema de degelo para combater a formação de gelo. Além disso, a falha em completar o check-list de gelo comprometeu a resposta da tripulação a uma situação crítica.

Lições de Prevenção e Recuperação  

Este incidente destaca várias áreas críticas que precisam de melhoria, especialmente o treinamento e a preparação para situações extremas. A conscientização sobre os riscos da formação de gelo e a resposta imediata a essas condições são fundamentais. O treinamento deve enfatizar a importância de seguir rigorosamente os procedimentos operacionais e a utilização correta dos sistemas da aeronave, como o radar meteorológico e o sistema de degelo.

Além disso, a falta de comunicação clara e a ausência de supervisão adequada também foram fatores que contribuíram para o agravamento da situação. A experiência sublinha a importância da supervisão constante e da comunicação eficaz durante voos em condições adversas. A tripulação também demonstrou falhas na interpretação dos sistemas automáticos de proteção contra o estol, o que resultou em uma perda de controle, agravando a situação.

Prevenção e Recuperação de Perda de Controle em Voo (UPRT)  

A perda de controle em voo é uma das principais causas de fatalidades na aviação, e o incidente com o ATR-72 da TRIP ilustra como falhas no reconhecimento, prevenção e recuperação de situações de risco podem levar a acidentes graves. O treinamento de prevenção e recuperação de perda de controle (UPRT) é fundamental para capacitar as tripulações a identificar e responder adequadamente a essas situações.

O UPRT envolve três etapas essenciais: o reconhecimento das condições que podem levar à perda de controle, como a formação de gelo; a aplicação de estratégias preventivas, como a ativação do sistema de degelo e a manutenção da potência adequada nos motores; e, se necessário, a recuperação rápida e eficaz da aeronave. O conhecimento dos conceitos de ângulo de ataque e atitude é fundamental, já que muitos pilotos cometem erros ao confundir esses conceitos, o que pode prejudicar a recuperação de aeronaves em estol.

 

Conclusão  

O incidente com o ATR-72 da TRIP Linhas Aéreas ilustra a importância de um treinamento rigoroso e contínuo em prevenção e recuperação de perda de controle em voo. Mesmo com sistemas avançados e procedimentos operacionais claros, a falha na execução desses procedimentos e na resposta adequada a uma situação de risco pode levar a consequências graves. O aprendizado contínuo com esses incidentes é essencial para melhorar a segurança aérea, evitando tragédias e salvando vidas.

Vídeo em BRANCO AVIAÇÃO no YouTube


 

David Branco Filho é um profissional com ampla trajetória na aviação e vasta experiência em segurança operacional. Graduado no Curso de Formação de Oficiais Aviadores pela Academia da Força Aérea em 1984, iniciou sua carreira como Oficial Aviador da Força Aérea Brasileira, onde atuou de 1979 a 2001. Posteriormente, ingressou na Embraer, onde exerceu a função de Piloto de Ensaios em Voo de 2001 a 2020. Desde 2020, dedica-se à consultoria em segurança operacional por meio de sua empresa, Branco Aviação.

Ao longo de sua carreira, David acumulou mais de 7.500 horas de voo em uma ampla gama de aeronaves, incluindo modelos militares e comerciais, como o Embraer KC-390 e o Phenom 300. Sua formação acadêmica inclui cursos especializados em investigação de acidentes, segurança de voo e gerenciamento de recursos de tripulação, realizados em instituições de renome como o NTSB e a Embry-Riddle Aeronautical University. Nos últimos anos, também aprofundou conhecimentos em inteligência emocional e treinamento de pilotos baseado em competências.

David é autor de 57 artigos publicados em revistas especializadas e produziu diversos vídeos instrutivos sobre temas cruciais da aviação, como gestão de crises e automação. Além disso, editou manuais e apostilas para uso interno da Força Aérea Brasileira e da Embraer, consolidando sua reputação como referência em segurança operacional. Sua dedicação à educação e ao aperfeiçoamento contínuo reflete-se em sua contribuição para o desenvolvimento de uma cultura de segurança na aviação.