15/10/2024 | AERO em Revista

Flying is a remarkable experience!

Voar é uma experiência memorável. Bela crônica da vida de uma "Flight Attendant" da Braniff International.

Flying is a remarkable experience!

A notícia alcançou-me rapidamente. Uma Companhia Aérea Internacional estava recrutando candidatos para atuarem como Comissários de Bordo. Uma oportunidade aventuresca, que chamou a atenção. O escritório de representação em Curitiba realizava a pré-seleção. Em São Paulo (SP) seria a avaliação principal. Os requisitos eram exigentes: haveria provas abrangendo dois idiomas estrangeiros (à escolha do candidato), língua portuguesa, conhecimentos gerais, história e geografia. Quase um vestibular.
A minha ida à SP foi totalmente custeada pela Companhia, com estadia de uma noite na cidade. Todos os candidatos de outros Estados tiveram o mesmo benefício. Ao chegar no escritório paulista, deparei-me com uma grande quantidade de candidatos: 127!

Havia uma sala espaçosa preparada para os candidatos realizarem as provas. Quem fosse bem-sucedido, teria um teste final: entrevista em inglês com o Presidente para a América Latina (AL). Passei nas provas e fiz uma boa entrevista. Sucesso no teste rigoroso. E de todos os 127 candidatos somente 27 tiveram resultado satisfatório. Havia candidatos de todo o Brasil. Além do nível de conhecimento, a exigência para o aspecto físico era importante: altura, peso e uma aparência razoável. 

A base no Brasil era no Rio de Janeiro (RJ). Por sorte, minha família tinha um apartamento na cidade, portanto eu não precisaria alugar ou dividir moradia. Várias colegas eram do RJ, outras do Rio Grande do Sul (RS) e também de outros estados.

E o trabalho começou. Os voos eram para a América Latina, alguns países da América Central e América do Norte. À época, as Companhias Aéreas estrangeiras não podiam sair do Brasil direto para as cidades no mundo todo.  Só a Varig podia decolar do RJ ou SP direto para as cidades dos outros países. As Companhias estrangeiras saiam daqui para outra cidade na América Latina e dali para o mundo.

A Companhia em que eu trabalhava, Braniff International, partia do RJ para Lima, no Peru.  Lá, a tripulação permanecia de dois a três dias e assumia o próximo voo que chegava, geralmente para os Estados Unidos da América (EUA). Portanto, Lima era como uma segunda base. O hotel em que ficávamos era muito bom, refinado e no centro da cidade. Depois de voos lotados, com muito trabalho, era um local confortável para o descanso merecido. Apesar de concorridos, os voos tinham um serviço de bordo requintado, tanto na primeira classe como na econômica. Toda a extrema elegância da Empresa, colaborou para o encerramento das suas atividades na década de 1980. 

As situações inusitadas aconteceram em diversos voos. Inicio pelo que mais me impactou: no retorno de Miami (EUA) para o Brasil, deveríamos fazer escala em SP, para que vários passageiros descessem, mas não foi possível. O trem de pouso não baixou. Direto para o RJ. A tripulação foi avisada sobre a situação problemática e que talvez tivéssemos que aterrissar na água (!) para evitar acidente muito maior. O aeroporto do Rio estava avisado pelo comandante, via rádio de bordo, sobre a falha com o trem de pouso. Um Boeing 747 na água, não seria nada fácil. E como evacuar os passageiros? 

No treinamento realizado em Dallas (Texas, EUA) aprendemos como agir em situações desse tipo. Entretanto, treino é uma coisa, realidade é outra bem diferente. A tripulação muito nervosa, os passageiros sem saber a realidade. Eis que o trem de pouso baixa ao nos aproximarmos do Aeroporto do Galeão e pudemos aterrissar com segurança. Ao abrirmos as portas da aeronave levamos um susto, ao constatar a dimensão do perigo que havíamos passado: vários caminhões do Corpo de Bombeiros, ambulâncias e todo o equipamento da Infraero para combater acidentes.  

Os voos eram seguros, com pilotos muito treinados e experientes. Os fatos aconteciam com passageiros. Às vezes sozinhos, alguns tinham medo da decolagem e da aterrissagem. Outra dessas situações foram bem mais amenas. Uma delas foi com uma senhora que ia visitar o filho em Lima (Peru). Ela ficou tão assustada aguardando o avião decolar que lhe dei um comprimido contra enjoo, explicando que era meu calmante. E deu resultado! Decolei ao lado dela, de mãos dadas. Acalmada, ela fez uma viagem tranquila.

De outra feita, em um voo Charter, voo fretado por fazendeiros (criadores de gado) gaúchos que iam para uma Feira Agropecuária em Houston (Texas, EUA), houve uma batalha de travesseiros, espalhando o 'recheio' por todo o avião. A tripulação teve que agir com severidade, inclusive com a presença do Comandante, para controlar o grupo que estava ultrapassando os limites do bom comportamento.

Àquela época, a Aviação Internacional proporcionava aos Comissários de Bordo, também denominados na Aviação Internacional como Stewards, Stewardesses e Flight Attendants, uma experiência de vida fora da rotina. Voos internacionais para outros países. A possibilidade de conhecer outras cidades, outras culturas, contatos com pessoas totalmente diferentes. Cada voo, uma novidade. A sensação de entrar no avião, grande, com capacidade para mais de 500 pessoas, um Boeing 747, ou Jumbo (como também era conhecido), causava um frisson, ou seja, a expectativa do inesperado. 

Passageiros educados, indiferentes, de variadas nacionalidades, experimentados em voar, voando pela primeira vez, temerosos, desembaraçados, atrevidos, respeitosos, enfim personalidades diversas, em um mesmo local, o avião, por algumas horas dividindo a mesma viagem, as mesmas refeições, o mesmo atendimento. Ao chegarem aos seus destinos, tomavam seus rumos. A experiência do voo era somente mais uma viagem. Porém, para toda a tripulação foi a responsabilidade de conduzir e atender um grande número de pessoas em um voo seguro, responsável e confortável, de todas as formas. Para a tripulação eram sempre horas diferenciadas, que deixavam lembranças. Como as que eu relatei. 

Voar, seja trabalhando ou como passageiro, é sempre uma experiência notável! 

 


Maria Teresa Freire é doutora em Comunicação e Saúde e mestre em Educação, ambos pela PUCPR. Jornalista por formação, é professora universitária nos cursos de Comunicação Social, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Além disso, é artista plástica e escritora, com cinco livros publicados. Já participou de revistas científicas, congressos nacionais e internacionais, diversos sites literários e coletâneas. Também teve uma carreira como «Flight Attendant» na Braniff International. Ela faz parte de várias instituições literárias e culturais na BA, MG, RS e PR. Ocupa cadeiras em várias academias: é acadêmica da AIDEP (Cad. 11) e da ALB Nacional (Cad. 10), além de ser vice-coordenadora da AJEB-PR e presidente da Academia de Letras do Brasil, seccional Paraná (ALB-PR).


ÍNDICE DAS PUBLICAÇÕES

 


 

SUMÁRIO

  1. AERO em Revista nº4

  2. Museu Militar Brasileiro - Panambi-RS

  3. Seminário Skyscience de Segurança Aplicada ao Voo

  4. Flying is a Remarkable Experience

  5. Kart: da Segunda Guerra às Pistas

  6. O DC 3 Dakota: um Ícone da Aviação Mundial

  7. A Aviação do Exército Brasileiro

  8. General Mattos e o Recorde de Altura

  9. A Brigada Paraquedista do Exército Brasileiro

  10. O Início do Paraquedismo no Brasil

  11. Paraquedismo: A Arte de Voar Desafiando a Gravidade

  12. Coronel Aviador Aguiar - CINDACTA II

  13. Alberto Santos Dumont

  14. O Papel Fundamental dos Pioneiros do Ar

  15. Máquinas mais Pesadas do que o Ar

  16. O mais Leve que o Ar: Balões e Dirigíveis

  17. A História da Aviação uma Criação Internacional