27/10/2020 | CULTURA em Revista
Hemorragia . Franco Rovedo
HEMORRAGIA
A gente não percebe, mas o coração, coitado, vive em constante estado de emergência. Bate no peito como quem pede socorro, como quem faz hora extra todo santo segundo para garantir que continuamos aqui. A cada batida, uma gota de vida escorre por dentro da gente, uma espécie de hemorragia disciplinada. O coração é um romântico subversivo: sangra sem descanso para que continuemos de pé, iludidos de que tudo isso é normal.
E talvez seja. Porque amar não é uma questão de escolha, mas de sobrevivência. Amor é como um coração em ação, uma mistura de ritmo e desespero. Ele não se contenta em ser lembrado aos domingos, nem só nas mensagens antes de dormir. Ele invade o corpo inteiro, ocupando cada espaço, cada pensamento. E se não ocupa, se não lateja, o que sobra é um vazio perigoso, frio, desses que nos transformam em figurantes da própria vida.
O problema é que amor exige que a gente aceite sangrar. E não existe curativo para isso. É uma decisão instintiva, uma entrega de quem entende que o prazer de estar vivo também mora na dorzinha aguda de sentir a falta, no medo de perder, no arrepio que atravessa a espinha quando alguém fala baixo ao pé do ouvido. Amar é renunciar ao controle, à lógica, e cair nessa dança perigosa com o peito exposto.
No fundo, a gente sangra porque tem quem valha cada gota. Por você, eu sangro 90 vezes por minuto.
Texto escrito em 2014 diretamente no Facebook. Agora vai fazer parte do livro «Crônicas de um Perfil», de Franco Rovedo (ALB-PR).
SUMÁRIO da CULTURA em Revista nº1