21/10/2025 | CULTURA em Revista
Casas de Troncos: uma memória polonesa no Paraná


Entre as florestas de araucárias do Paraná, silenciosas e resistentes como guardiãs do tempo, repousa uma herança quase esquecida: as casas de troncos construídas pelos imigrantes poloneses no século XIX. Muito além de simples abrigos, essas edificações contam histórias de fé, resistência e adaptação — verdadeiros capítulos de madeira na saga da colonização europeia no sul do Brasil.
A arquitetura como expressão da alma
Desde as cavernas pré-históricas até os arranha-céus contemporâneos, o ato de construir revela os valores, os medos e as esperanças de cada sociedade. A arquitetura, primeira forma de arte humana, é também o espelho de seu tempo. No caso dos colonos poloneses, que chegaram ao Paraná fugindo da fome e das guerras que fragmentaram sua terra natal, construir era mais do que erguer paredes — era recriar o lar em meio ao desconhecido.
Sem serrarias, sem ferramentas adequadas, cercados por uma natureza exuberante e hostil, esses imigrantes transformaram a floresta em abrigo. Com a madeira das araucárias, ergueram casas inteiras de troncos encaixados, sem pregos, unidas apenas pela precisão e pela engenhosidade herdada de gerações. Essas moradas, de dois cômodos e sótãos inclinados, tornaram-se o símbolo silencioso de uma cultura transplantada com suor e esperança.

Quando o passado quase se afoga
Durante décadas, essas construções resistiram firmes, testemunhando o cotidiano rural de famílias que plantavam, celebravam e sonhavam sob seus telhados de tabuinhas lascadas. Mas, nos anos 1980, a construção da Represa do Passaúna trouxe a ameaça do esquecimento. Comunidades inteiras foram desalojadas; suas casas, demolidas, queimadas ou submersas. Parte da história material dos imigrantes desapareceu com a enchente — e com ela, fragmentos da memória coletiva.
Foi nesse contexto que alguns visionários decidiram agir. Entre eles, o arquiteto Laércio Licheski, descendente de poloneses e profundo admirador da cultura de seus antepassados. Recém-chegado da Polônia, onde havia estudado a arquitetura tradicional de vilas e campos, Licheski reconheceu nas ruínas das antigas colônias um elo com sua própria origem. Ao encontrar uma daquelas casas condenadas, em meio a um vale prestes a ser inundado, viu mais do que madeira envelhecida — viu um testemunho de identidade.

A casa que renasceu
Com determinação e sensibilidade, Licheski negociou com o proprietário da antiga construção: em troca da casa, ergueria um novo barracão. Assim, peça por peça, numerada e desmontada como um quebra-cabeça ancestral, a casa foi resgatada, transportada e remontada em um novo terreno, no bairro Bacacheri, em Curitiba.
Reerguida com paciência e reverência, a construção recuperou seu esplendor. Tornou-se não apenas lar, mas também manifesto — um testemunho da durabilidade das coisas feitas com alma. Nela, ecoaram risadas, conversas e o nascimento de uma nova família. Hoje, sob os cuidados de Rafael Greca, ex-prefeito de Curitiba, a antiga casa polonesa permanece preservada em um verdadeiro santuário dedicado à memória, símbolo da persistência cultural e do valor da preservação.

Entre o ontem e o amanhã
Nada é estático. A sociedade muda, as cidades se transformam, os modos de viver se reinventam. Mas, em meio ao ritmo veloz da modernidade, ainda é possível ouvir o sussurro dos troncos antigos, lembrar das mãos que os talharam e entender que a arquitetura é também história — uma história que respira.
As casas de troncos do Paraná não são apenas relíquias: são pontes entre gerações, entre continentes, entre o humano e a paisagem. Nelas, o tempo se faz madeira, e a memória encontra abrigo.














