29/10/2024 | AERO em Revista
A Travessia do Jahú
Em 28 de abril de 1927, brasileiros entraram para a história ao serem os primeiros das Américas a cruzarem o Oceano Atlântico utilizando apenas uma aeronave, o "JAHÚ".
Vinte e três dias depois, o norte-americano Charles Augustus Lindbergh realizou um voo de Nova York a Paris, tornando-se amplamente reconhecido e celebrado como pioneiro desse tipo de travessia. E quanto aos brasileiros? Um caso que lembra a disputa entre Santos Dumont e os irmãos Wright.
Já em 1922, os portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho atravessaram de Portugal para o Brasil em comemoração ao centenário da independência, mas precisaram de três aviões para completar a missão.
Em 1927, um grupo de destemidos brasileiros conquistou o Oceano Atlântico a bordo de um hidroavião Savoia Marchetti S.55, imortalizando o nome de João Ribeiro de Barros como um dos pioneiros da aviação mundial. A travessia, que ligou a Europa ao Brasil, foi muito mais do que um feito técnico. Foi uma demonstração de coragem, persistência e um exemplo de superação das limitações da época, o que merece ser lembrado como um marco na história da aviação brasileira e mundial.
O início da jornada
João Ribeiro de Barros, natural da cidade de Jaú, interior de São Paulo, sempre foi movido por um espírito aventureiro. Filho de uma família abastada, ele usou sua fortuna pessoal para financiar o projeto de cruzar o Atlântico sem escalas. Diferente de outros aviadores de sua época, que contaram com apoio de governos e grandes empresas, Barros não teve esse privilégio. Para realizar seu sonho, ele vendeu parte de sua herança e adquiriu um avião modelo Savoia-Marchetti S-55, uma aeronave já usada e em péssimo estado, com quatro toneladas e estrutura de madeira.
O hidroavião recebeu o nome de Jahú, em homenagem à cidade natal do piloto. No entanto, logo nos primeiros testes, Barros enfrentou grandes desafios. Durante um pouso na Itália, o Jahú quase afundou devido ao péssimo estado do casco. Mas, com determinação, ele supervisionou todas as reparações necessárias, reformando a aeronave e ajustando-a para o grande desafio que estava por vir.
A travessia: coragem e contratempos
A viagem começou oficialmente no dia 16 de outubro de 1926, quando Barros e sua tripulação partiram de Gênova, na Itália. Junto com ele estavam o navegador Newton Braga, o mecânico Vasco Cinquini e, inicialmente, o copiloto Arthur Cunha, que mais tarde seria substituído por João Negrão.
Nas primeiras horas da jornada, a equipe enfrentou grandes dificuldades. Sobre o Golfo de Valência, na Espanha, os motores do Jahú começaram a falhar devido a problemas no sistema de combustível. Forçados a operar bombas manuais, os tripulantes fizeram um pouso de emergência em Alicante. Sem comunicação prévia, foram presos pelas autoridades locais, sendo libertados apenas com a intervenção da embaixada brasileira.
Outro grande desafio veio em Gibraltar, quando se descobriu que o avião havia sido sabotado: sabão, terra e água foram encontrados no combustível. Isso exigiu mais reparos e ajustes na aeronave, retardando o avanço da missão. Além disso, na África, João Ribeiro de Barros contraiu malária, e a tripulação teve que se reorganizar, incluindo a troca de copiloto.
O triunfo sobre o Atlântico
Finalmente, em 28 de abril de 1927, o Jahú decolou de Cabo Verde rumo ao Brasil. Em uma travessia de 12 horas, a equipe conseguiu alcançar Fernando de Noronha, marcando a primeira vez que um piloto das Américas cruzou o Atlântico sem ajuda de navios de apoio ou escalas. Foi uma conquista extraordinária, não apenas pela complexidade técnica envolvida, mas também pelos obstáculos humanos e mecânicos que precisaram ser superados.
Após a chegada em Fernando de Noronha, o Jahú passou por várias cidades brasileiras, sendo recebido com grandes celebrações. Em cada parada — de Natal, Recife, Salvador até Santos —, a população comemorava o sucesso da missão, que reforçou o orgulho nacional e elevou João Ribeiro de Barros ao status de herói.
Um legado que precisa ser lembrado
O feito de João Ribeiro de Barros e sua equipe com o Jahu foi comparável às grandes travessias aéreas da época, como a de Charles Lindbergh, que cruzou o Atlântico sozinho no mesmo ano. Contudo, a proeza do brasileiro muitas vezes ficou ofuscada, tanto pela falta de apoio governamental quanto pelo próprio desenrolar da história. Ainda assim, sua contribuição para a aviação é indiscutível. Ele provou que, com determinação e recursos próprios, seria possível superar desafios que, na época, pareciam intransponíveis.
Em uma de suas últimas mensagens antes da partida final para o Brasil, João Ribeiro de Barros recebeu um telegrama de sua mãe que dizia: "Asas do avião representam a bandeira brasileira". Essa frase simboliza o orgulho nacional que ele carregou e sua missão de levar o nome do Brasil a novos patamares.
O Jahu e sua travessia permanecerão, para sempre, como um marco de pioneirismo e audácia. A história de Barros nos ensina que, mesmo diante de grandes dificuldades e contra todas as probabilidades, a determinação humana pode alcançar feitos extraordinários. Como disse Aristóteles: "Em primeiro lugar, tenha um ideal prático e definitivo; em segundo, disponha dos meios; em terceiro, ajuste todos os meios para atingir esse fim". João Ribeiro de Barros seguiu esses princípios com maestria, e seu nome merece estar entre os grandes da aviação mundial.