18/10/2023 | AERO em Revista
Ricardo Kirk - A primeira vítima da aviação no Brasil
Foi na Guerra do Contestado (1914-1919) que, pela primeira vez nas Américas, usaram-se aviões em combate. Esse conflito, um dos mais importantes em nosso país, é pouco conhecido, inclusive pelos próprios paranaenses. Em termos de movimentação de tropas, de envolvimento social e de vidas perdidas é mais relevante do que Canudos. É que o conflito da Bahia teve um Euclides da Cunha para contar a história e o nosso ainda está carecendo de um bom escriba.
A Guerra do Contestado misturava interesses de divisas entre Paraná e Santa Catarina; ações de rapina de uma madeireira anglo-saxônica-canadense, a Lumber; grupos de banditismo que se aproveitavam da situação caótica da região para assaltar fazendas e vilarejos; e mais três pretensos monges milagreiros que, em diferentes lugares e todos com o nome João Maria, diziam-se salvadores do mundo. Um caldo completo para uma boa confusão. O Exército, para controlar a situação, mandou vir do Rio de Janeiro, em 1914, quatro aviões.
Eram aviões cobertos com um pano esticado e, ao serem transportados por trem, um deles pegou fogo já na viagem – incêndio causado pelas fagulhas da locomotiva, Maria Fumaça. Os que sobraram foram para Porto União. O objetivo maior dessa iniciante força aérea brasileira era observar a movimentação dos jagunços que, por conhecerem bem a região, estavam muito bem entrincheirados, dando trabalho à infantaria.
É aí que entra a história da minha família: com os aviões, vieram os pilotos Ricardo Kirk e Ernesto Darioli e o mecânico Álvaro Zanchetta. Como não tinham onde se hospedar, ficaram na casa dos meus avós. Foi minha avó Olga quem me contou essa história.
Ao cair da tarde, em frente à sua casa, o mecânico Zanchetta gostava de cantar óperas. Criou plateia fixa: os moradores da região começaram a se reunir no gramado para ouvir suas performances. Imagine, em pleno sertão paranaense, no início do século passado, alguém cantando óperas ao ar livre. Surreal.
A região era coberta por vastíssimo pinheiral que, visto de cima, formava uma copada única, verde-escura, impenetrável e assustadora. Voar sobre essas árvores sem o apoio de rádios, de referências físicas e do atual GPS era missão impossível. Para que o piloto pudesse se localizar – ir da base aos jagunços e voltar – equipes de terra amarravam no alto dos maiores pinheiros, ao longo do percurso, lençóis de morim branco, cada um medindo 25 metros. Assim, de tempos em tempos o piloto os avistava e fazia a sua orientação de voo.
Certa vez, em manobra de aterrissagem, a roda bateu em uma cerca de arame, bicou e o avião quebrou a hélice, que foi reconstruída pelo meu bisavô, Walter Ultmann – hábil marceneiro que já veio ao Brasil com formação em curso profissionalizante na Suécia.
Em outro acidente, a perda de mais um aeroplano foi total. Nesse, o piloto rasgou as calças e, como não tinha peça sobressalente no uniforme de pilotagem, minha avó fez um cerzido invisível. Sociável, o simpático piloto brincou com meus tios enquanto ela fazia o trabalho de costura, serviu-se de queijo, salame e broa como refeição. Arrumada a calça, partiu para mais uma missão... A derradeira.
O acidente
No dia 1º de março de 1915, Ricardo Kirk e Darioli saíram em missão de reconhecimento, cada um em um avião. O tempo mudou rápido com a entrada de uma frente fria e um forte vento começou a fustigar. Darioli conseguiu a duras penas voltar à base. Ricardo Kirk prosseguiu e acabou batendo em um pinheiro, caindo na direção da estrada de Palmas, cercanias do Rio Jangada e da Colônia dos Poloneses. Um lavrador testemunhou o acidente e veio avisar: – Caiu uma "cruz voadora" lá perto de casa e tem um homem dentro. Ele está morto.
Meu avô, seu sogro e mais alguns homens se organizaram e trouxeram para a cidade o corpo e parte do que sobrou do avião. Minha avó conta que os moradores locais fizeram uma bandeira do Brasil com flores para cobrir o caixão.
Eloi Zanetti – 76 anos – mais de 50 anos de experiência como consultor em marketing, comunicação corporativa, criatividade, estratégias de vendas e escritor. Diretor de comunicação do Banco Bamerindus e de marketing de O Boticário. Idealizou a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. Criou a Escola de Criatividade de Curitiba e a Casa do Contador de Histórias. Conselheiro de diversas ONGs ambientais: SPVS, Universidade Livre do Meio Ambiente, TNC – The Nature Conservancy. Publicitário premiado, trabalhou em jornais, rádios, TVs, estúdios de produção, direção de arte, filmes publicitários e documentários. Tem artigos e livros publicados sobre marketing, comunicação, criatividade e vendas em jornais, revistas e portais especializados. Escreve livros sob encomenda para empresas e terceiros. Autor de livros sobre marketing, comunicação, vendas, crônicas e infantis.
Contato: 041 9 9698-7187 Email: [email protected]
SUMÁRIO
- O Departamento Albatroz de Paraquedismo
- Miguel e Dorival Munhoz Jr. EAA AirVenture
- Major-Brigadeiro Lauro Ney Menezes, o Supersônico!
- Ricardo Kirk - A primeira vítima da aviação no Brasil
- A Tragédia de Vinhedo: A Queda do ATR
- O Poderoso Super Heavy da SpaceX
- Sérgio Prata: Arte e Aviação
- Pedro Prata Garcia: O Designer Voador (1970 - 2003)
- Grupo de Escoteiros do Ar Brigadeiro Eppinghaus
- Lançamento da AERO em Revista nº2
- Os Paraquedistas na Operação Overlord
- EAA AirVenture Oshkosh 2024
- Missão Phoenix: De Curitiba a Oshkosh
- Johannes Mey: O Holandês Voador
- Caso de Aeroporto . Uma mãozinha
- Acidente de Paraquedismo
- Notas curtas
- Notícias Tristes